Dívidas dos Governos: O único esquema de pirâmide legalizado

Como os governos transformaram suas dívidas no único esquema de pirâmide financeira aceitável?

MACROECONOMIA

Rian Tavares

10/13/20234 min read

Você já deve ter se deparado não com um, mas com vários esquemas de pirâmide financeira, quando criminosos criam falsos esquemas de negócios que sobrevivem com base na entrada de novos integrantes. À medida que a entrada de pessoas ou de volume financeiro são interrompidos, o esquema quebra e quem tinha dinheiro para receber, se dá mal.

Antes de entrar no mérito sobre a questão dos governos, vamos discorrer sovre como funciona um uma pirâmide financeira:

  1. Toda pirâmide tem, em sua fachada, alguma empresa, negócio ou produto, para justamente esconder o seu real propósito. O negócio em si não se sustenta somente com as receitas "reais", mesmo quando são existentes

  2. Geralmente, para entrar no negócio, o novo entrante é chamado a aportar algum capital.

  3. Quem está dentro receebe algum tipo de compensação financeira por aportar mais recursos ou encontrar novos participantes, como promessas de retornos financeiros.

  4. Negócio entra em um ciclo que é sustentado pela nova entrada de dinheiro. Sem ela, o negócio quebra.

Uma das pirâmides financeiras mais famosas do mundo foi a de Bernard Maddof, protagonista de uma fraude de mais de U$ 64 bilhões que durou aproximadamente 20 anos. Maddof chegou a ser presidente da NASDAQ, primeira bolsa de pregão eletrônico nos EUA, na década de 1990, importante para dar respeito e prestígio ao seu nome. e facilitar seu esquema fraudulento.

A série “Bernie Maddof: O Golpista de Wall Street” conta a história por trás de tudo. Não quer dizer que sempre foi assim. Com seu primeiro, e lícito, negócio inaugurado na década de 1960, Bernie montou sua fraude financeira paralela ao seu negócio 3 décadas depois, maquiado como um fundo de investimentos promissor. Tudo caiu por terra na crise de 2008, com a fuga em massa dos investidores dos mercados, o que fez Maddof abrir o jogo para as autoridades quando se viu sem dinheiro para honrar os resgates. Condenado a 150 anos de prisão, Maddof morreu em 2021 na cadeia.

Mas o que tudo isso tem a ver com as dívidas dos governos? O termo utilizado para “pirâmide financeira” em inglês é esquema ponzi (Ponzi Scheme), assim nomeado por conta do italiano Carlo Ponzi, um golpista que prometia lucros de 50% em 45 dias ou 100% em 90 dias para seus clientes na década de 1920 nos EUA, em um esquema de cupons postais.

Qual a condição para que um esquema ponzi sobreviva? Simples. Basta honrar os resgates. Fazendo isso, o dinheiro continuará entrando. Percebeu alguma familiaridade com as dívidas governamentais? Não?

As pessoas esperam que os governos paguem todas as suas dívidas em algum determinado momento? Não. De acordo com a teoria econômica, o ideal é que o governo consiga arrecadar mais do que gasta com gastos primários para que possa pagar os juros da sua dívida, ou até mesmo pague parte do seu principal, para que a sua dívida fique estável ou diminua para níveis “aceitáveis”.

Nas finanças, é comum que a alavancagem das empresas seja avaliada utilizando o múltiplo Dívida sobre Lucro Operacional (EBITDA) anual:

Se uma empresa tem uma alavancagem de 2x lucro, quer dizer que ela demoraria 2 anos para pagar todas as suas dívidas. Quanto maior é a empresa, mais ela se encaixa num esquema ponzi, ou seja, menos se espera que ela pague todas as suas dívidas, mas sim, deixe-as em um nível que os credores não se preocupem.

Esse mesmo múltiplo para os governos é feito dividindo a dívida bruta pelo PIB do país:

Um país com 120% de dívida em percentual do PIB é pior do que um país com 80%? A resposta é: depende. Um dos principais exemplos é a maior economia do mundo, os EUA, que hoje acumula uma relação dívida (%PIB) de 121%. Para o Chile, por exemplo, essa relação é de meros 37%. Mesmo assim, aposto que os investidores globais acham os EUA mais “seguros” do que nossos vizinhos latino-americanos.

Adaptando a analoia aos governos, espera-se que, pelo menos, consigam pagar os juros da sua dívida ou estabilizá-la em relação ao PIB. Quais são as consequências desse tipo de pensamento no mercado? Podemos pensar em bolha financeira (e, logo, estouro da bolha), inflação, baixo crescimento, dentre outros fatores.

A verdade é que, pelo menos nas últimas décadas, principalmente depois da crise de 2008, o mundo vem sim vivendo mais alavancado, mas nem por isso testemunhamos nenhuma das teorias da conspiração sobre estouro da bolha ou estagnação secular (Larry Summers). Quer dizer que estamos imunes a isso? Não.

O aprendizado que colhemos é de que: Economia e Finanças podem até discutir sobre longo-prazo, mas o mercado tem dificuldade de pensar além do curto. Um dia após o outro. Outra conclusão é que somos péssimos em prever o futuro. Por que não simplesmente tentamos parar com as previsões? O gosto por "estar no controle", talvez, seja da nossa natureza.